“O pensamento escolhe. A Ação realiza. O homem conduz o barco da vida com os remos do desejo e a vida conduz o homem ao porto que ele aspira a chegar. Eis porque, segundo as Leis que nos regem, a cada um será dado segundo suas próprias obras”.

(Emmanuel)

sábado, 5 de março de 2011

Erro dos outros...

O telefone tocou na farmácia. Era um médico, extremamente irritado e mau-humorado, exigindo saber por que o farmacêutico tinha dado ao seu paciente um medicamento diferente do que ele havia prescrito na receita. O farmacêutico, pego de surpresa, não sabia nem o que dizer, então apenas pediu desculpas pelo erro. Explicou que muitas vezes a famácia ficava muito cheia e todos clientes queriam ser atendidos rapidamente. Nesta situação de stress, talvez ele tivesse realmente cometido algum equívoco.
 
Mas o médico não quis escutar as explicações do farmacêutico e continuou com um longo discurso a respeito da importância de tomarmos cuidado ao dar um remédio ao paciente e a grande responsabilidade que isto envolve. Deu ao farmacêutico, por alguns minutos, uma grande lição de moral.
 
Aquela bronca acabou com o dia do farmacêutico, pois ele se sentiu muito culpado. Ele era uma pessoa cuidadosa, algo assim nunca havia acontecido em toda a sua carreira. Como ele havia se descuidado e cometido um erro assim tão grave? Havia colocado em risco a vida de outra pessoa! Começou  a procurar a receita do médico em uma grande pilha de prescrições, para tentar entender qual havia sido seu erro. Finalmente encontrou a receita e, para sua surpresa, viu que havia entregue os remédios corretos, exatamente como havia sido prescrito. Foi o médico que tinha cometeu um erro, ele tinha escrito o medicamento errado por engano!
 
O farmacêutico ficou aliviado. Mas então lembrou-se da lição de moral que havia escutado do médico. Pegou o telefone, ligou para ele e, muito irritado, desabafou por alguns minutos. O médico escutou em silêncio e, no final, apenas disse:
 
- Ei, calma, não fique tão irritado. Qualquer um pode cometer um erro"
 
Temos que dar aos outros sempre o benefício da dúvida, pois muitos erros que vemos nos outros podem ser, na verdade, erros nossos.
 
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Nesta semana terminamos o segundo livro da Torá, Shemot, com a Parashá Pekudei, que nos descreve os últimos detalhes da construção do Mishkan (Templo Móvel) e a posterior montagem, feita pessoalmente por Moshé. E assim começa a Parashá: "Estas são as contas do Mishkan..." (Shemot 38:21). O que estas palavras significam? Moshé fez questão de prestar contas de cada material utilizado no Mishkan, já que muitos materiais eram nobres, de valor muito elevado. Mas por que Moshé tinha que prestar contas, já que mesmo D'us falava sobre ele "em toda Minha casa ele é confiável"? Havia alguma suspeita que Moshé, o maior profeta de todos os tempos, que tirou o povo judeu do Egito, fez diversos os milagres abertos e recebeu a Torá no Monte Sinai, teria roubado parte dos materiais para enriquecer ilicitamente?
 
A pergunta fica ainda maior se prestarmos atenção nos versículos que descrevem a construção do Mishkan. Diversas vezes a Torá utilizou a expressão "conforme comandou D'us para Moshé", como se D'us estivesse legitimando todos os atos de Moshé. Era preciso este "selo de qualidade" dado por D'us? Havia alguma suspeita que Moshé estava fazendo coisas de sua própria cabeça, que não haviam sido ordenadas por D'us?
 
Quando uma pessoa vai para a guerra, a primeira coisa que necessita para sair vitorioso é conhecer bem o seu inimigo. Que armas ele possui, como costuma lutar, quais são as suas táticas, etc. Quanto mais detalhes conhecemos sobre o inimigo, mais chance temos de vencê-lo. O mesmo princípio é utilizado no futebol, onde os técnicos assistem exaustivamente vídeos das partidas do time adversário para conhecer todos os seus detalhes e conseguir assim planejar uma forma de derrotá-lo. Nós também temos um grande inimigo em nossas vidas: o Yetzer Hará, nossa má-inclinação, que nos aconselha para o mal e nos leva a cometer muitas transgressões. Se queremos vencê-lo, primeiro precisamos conhecer suas formas de luta e suas principais armas. E a Parashá desta semana nos ensina justamente uma das armas mais importantes do Yetzer Hará.
 
Explica o livro "Lekach Tov" que uma característica natural do ser humano é achar que sempre estamos certos e os outros sempre estão errados. Somos rápidos ao julgar e incriminar os outros. Justamente por isso nos ensina o Pirkei Avót (Ética dos patriarcas): "Julgue toda pessoa para o bem". O que isto significa? Que sempre temos que dar aos outros o benefício da dúvida. Se vimos uma pessoa fazendo um ato que parece ser algo errado, temos que tentar buscar explicações para o que vimos. Pois muitas vezes achamos que foi o outro quem errou quando, na verdade, o erro partiu de nós mesmos, como no caso do médico e do farmacêutico.
 
O que ocorre quando não desenvolvemos esta característica de julgar os outros para o bem? O Yetzer Hará começa a nos jogar idéias ruins na cabeça sobre os outros, e começamos a aceitá-las sem questionar.  Assim, podemos chegar a cometer o erro de julgar para o mal mesmo pessoas completamente Tzadikim (Justas). Foi justamente o que ocorreu com Moshé. Havia alguma dúvida sobre sua honestidade? Obviamente que não. Mas Moshé escutou pessoas no acampamento dizendo "Agora que Moshé está trabalhando com materiais nobres, como ouro e prata, e não há ninguém que supervisiona as doações nem o seu trabalho, certamente que ele vai enriquecer bastante". Por isso ele sentiu a necessidade de prestar contas de todo o trabalho, detalhando todo o material que havia sido doado e como havia sido utilizado. Não havia nenhuma lógica em suspeitar de Moshé, mas as pessoas que não se trabalharam na característica de julgar os outros para o bem chegaram ao nível de duvidar da sua honestidade.
 
Como a construção do Mishkan era muito trabalhosa, algumas pessoas também começaram a pensar que D'us havia pedido uma construção bem simples e era Moshé quem estava criando, de sua própria cabeça, todos aqueles detalhes difíceis e trabalhosos. Havia alguma dúvida que Moshé comandaria coisas que D'us não havia pedido? Certamente que não. Mas mesmo assim tiveram pessoas que pensaram assim, e para tirar qualquer idéia equivocada, D'us fez questão de, diversas vezes, dizer "conforme comandou D'us para Moshé", para ressaltar que nada no Mishkan foi da cabeça de Moshé.
 
Assim trabalha o nosso Yetzer Hará, ele começa com idéias pequenas, com coisas que parecem sem importância, mas vai nos envolvendo sem percebermos. Ele começa a jogar em nossa cabeça suspeitas sobre as outras pessoas. Em um primeiro momento as idéias parecem infundadas, não damos muita atenção. Mas se não internalizarmos a característica de julgar todos para o bem, estas idéias continuam na nossa cabeça e começam a fazer sentido. Finalmente acabamos acreditando totalmente nas nossas suspeitas, mesmo que sejam totalmente ilógicas.
 
Então como fazer para julgar todos para o bem? A dica está no próprio ensinamento do Pirkei Avót, pois se prestarmos atenção, na verdade não está escrito "Julgue toda pessoa para o bem", e sim "Julgue toda a pessoa para o bem". O que significa julgar toda a pessoa? Ao julgar alguém, não devemos nos basear apenas no que estamos vendo agora. Por exemplo, se conhecemos alguém e sabemos que a pessoa é normalmente muito calma, se algum dia ela estiver muito irritada, não devemos julgá-la por aquele momento. Devemos entender que algo aconteceu, que ela não está no seu estado normal. Dê o benefício da dúvida de imaginar que ela está passando por alguma situação difícil. Ao invés de incriminá-la, ofereça ajuda. Pode ser que ela precise muito mais de ajuda do que de uma bronca.
 
Quando julgamos os outros para o bem, assim também somos julgados nos mundos espirituais. As pessoas que são rigorosas com os outros e não deixam nada passar em branco, assim também são julgadas, e todas as suas transgressões, mesmo as mais insignificantes, são levadas em conta. Já aquele que se acostuma a julgar todos para o bem também será julgado espiritualmente para o bem. D'us também levará em conta a pessoa como um todo, tentando assim minimizar cada erro cometido.
 
Mas o mais importante é saber que, na maioria das vezes, as coisas não são como parecem. Sempre vemos as situações com uma visão limitada. Por isso, quando julgamos alguém para o bem, na grande maioria das vezes estamos julgando-o da maneira correta.
 
SHABAT SHALOM
 
Rav Efraim Birbojm
 

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