“O pensamento escolhe. A Ação realiza. O homem conduz o barco da vida com os remos do desejo e a vida conduz o homem ao porto que ele aspira a chegar. Eis porque, segundo as Leis que nos regem, a cada um será dado segundo suas próprias obras”.

(Emmanuel)

quinta-feira, 17 de março de 2011

O AVARENTO

O Cádi Ahmed Hassã, justo e enérgico, ao ouvir certa vez comentar-se a avareza sem par de Moarrid, abastado mercador em Muazzã, bairro de Bagdá, mandou chamá-lo e, com o fim de obrigá-lo a praticar a esmola conforme determina o Alcorão - disse lhe:

- No bairro em que resides, meu amigo, mora também um velho cordoeiro chamado Zazilah, que, embora trabalhe de manhã à noite, vive na maior pobreza com oito filhos menores. Ficarás encarregado de hoje em diante de proteger essa infeliz família. Todas as semanas deverás levar um auxílio, uma esmola qualquer ao cordoeiro Zazilah!

- Assim farei, senhor! - respondeu Moarrid. - Não pouparei sacrifícios para melhorar a situação do meu infeliz protegido.

Passando três dias, soube o cádi - por intermédio de um de seus auxiliares - que o avarento havia levado ao cordoeiro faminto um pedaço de carneiro. A carne estava, porém, em tal estado de putrefação que deixava desprender mau cheiro horrível.

- Miserável! - exclamou o cádi, revoltado com o proceder do avarento. - Comprou, por preço vil, um pedaço de carne deteriorada que nem mesmo um chacal seria capaz de comer! Vou castigar esse homem!

E o enérgico Ahmed mandou que o trouxessem à sua presença e disse-lhe:

- Acabo de ser informado de tua indignidade, ó muçulmano sem coração! Para cumprires a ordem que havias recebido de mim, deste ao mísero cordoeiro um pedaço de carne podre, intragável! E para que aprendas a ser caridoso, vais sofrer um castigo que tu mesmo irás escolher: ou pagas uma multa de cem dinares de ouro, ou apanhas cem chibatadas, ou, então, comes toda essa carne repelente com que insultaste a pobreza de Zazilah! Vamos! Escolhe um desses três castigos!

O velho avarento, ao ouvir a terrível ameaça do cádi, pensou:

- Pagar a multa? Não pago! Apanhar cem chibatadas é doloroso! O melhor que tenho a fazer, afinal, é comer a carne.

E, depois de assim meditar, dirigiu-se ao governador da cidade e disse:

- Senhor! Já escolhi. Estou pronto a comer a carne!

Mandou o cádi que trouxessem num prato o pedaço da vianda repulsiva com que tinha sido presenteado o cordoeiro.

O avarento encheu-se de ânimo, e começou a comer lentamente o conteúdo do prato. A carne estava, porém, em tão mau estado de conservação que o estômago não a suportou. Moarrid começou a sentir ânsias medonhas e foi acometido de vômitos terríveis.

Afinal, vendo que não conseguia ingerir aquele asqueroso carneiro, o avarento exclamou desesperado:

- Piedade, ó cádi! Eu não posso comer esta carne!

- Esta bem! - respondeu o cádi. - Escolhe, então, novamente: a multa ou as cem chibatadas?

Pensou outra vez o avarento:

- Pagar cem dinares? É muito triste desfazer-me dessa quantia! O melhor que tenho a fazer é apanhar as cem chibatadas!

E declarou que estava disposto a ser chibateado.

Por ordem do cádi surgiu-lhe pela frente um hercúleo escravo negro, armado de terrível açoite.

O avarento foi amarrado a uma coluna de ferro e o escravo entrou a aplicar-lhe nas costas as cem chibatadas!

Ao oitavo golpe o sórdido mercador sentiu que morreria se continuasse a apanhar. Eram horríveis as dores que sofria.

- Piedade! Piedade! - exclamou desesperado. - Eu pago a multa!

Ordenou o cádi que o soltassem e ele ali mesmo efetuou o pagamento da multa, tirando o dinheiro de uma bolsa que trazia oculta sob as vestes sujas e esfarrapadas.

Disse então o cádi:

- Esse dinheiro vai ser distribuído em esmolas pelos habitantes pobres do bairro de Muazzã!

E, dirigindo-se ao avarento:

- E tu, meu velho avarento, foste, por causa da tua extrema avareza, três vezes castigado. Primeiro ao comeres a carne podre, depois ao seres açoitado e finalmente pagando a multa. E isto acontece sempre aos homens ricos e impiedosos que negam auxílio aos pobres de Allah!

Bem dizia o virtuoso Hammad, santo entre os santos:

- O avarento, em vida, tem a maldição dos homens e depois que morre sofre o castigo inexorável da justiça Divina!

(Do livro "Lendas do Deserto", de Malba Tahan)

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